quinta-feira, novembro 23, 2006

Do cimo do monte


Do cimo do monte vi o finito e o infinito a amarem-se. Do cimo do monte vi paisagens perfeitas…casas simples…aves e flores coloridas…o céu a escurecer. Do cimo do monte vi a serenidade.
O rio a correr lá em baixo água com a sua água pura em que me apetecia mergulhar…O rio tem a capacidade de nos prender num ponto do seu leito, e ao mesmo tempo, de nos transportar a um lugar longínquo e inexistente. E entre essa prisão e essa viagem, acabamos, de alguma maneira, por nos sentirmos bem.
Queria transformar-me num peixe para poder viver no rio e ver o que mais ninguém vê. Explorar aquele mundo e a seguir ser andorinha e voar e ver o que mais ninguém vê.
Mas aqui me encontro inerte no cimo do monte…só o ar fresco que percorre o meu corpo, me anuncia que estou viva.
Neste momento não queria sentir nada humano. Queria ser o tal peixe ou a tal andorinha, ou até uma égua. Nadar, voar e correr livremente sem preocupações.
Poder esconder-me numa alga. Pousar nas folhas com um toque suave e apaixonado. Galopar por grandes campos com o horizonte ao fundo e a relva verdejante bem perto!
Anoiteceu, e do cimo do monte as estrelas saudei. Era capaz de dizer que houve uma que também me cumprimentou. Sim, a mim em específico! Dizer isso seria abusivo? Ou doido? Não interessa porque realmente houve uma estrela que me saudou. E apesar da distância que há entre mim e ela, senti-me dentro da própria estrela. Tão aconchegada, tão viva! Porque basta um pequenino gesto para que por momentos a distância desapareça. E que fazer quando o “por momentos” passar? Sentir vazio? Não! Simplesmente sentir gratidão por ter existido.
Do cimo do monte caí em esquecimento. Ali fiquei ao passar do tempo. Com lágrimas vazias de dor e de alegria. Sem razão de serem senão escorrerem e existirem.
Talvez um dia consiga sair daqui do cimo do monte. Gostava que alguém me viesse buscar pela mão.
Uma vez li que “Os nossos amigos são como as estações, onde esperamos que venha o amor que nos vai levar”. Pode o monte ser um amigo e eu esperar aqui? Será que existe mesmo esse amor? Será que tenho que esperar muito? Ou estará a morte mais perto que o amor?

terça-feira, novembro 07, 2006

Anjo da guarda



4h da madrugada…

Queria poder levantar-me agora para ser a guardiã dos sonhos de toda a gente! Dar uma calma irrepreensível a quem a esta hora os anjos deviam proteger. E a cada pesadelo arranjar maneira de o apagar com a facilidade de uma borracha. Chegar ao pé da cama de cada pessoa que sofre injustamente e fazer-lhe uma festinha, dar-lhe um beijinho, um sorriso para ajudar e ficar ali a noite inteira…simplesmente a olhar para e por aquele ser que a vida tenta derrubar. Sem sentir o tempo passar. Parecer que parou tudo ali naquele instante em que a magia do momento se ofuscou a ela própria.
Devíamos todos ter um anjo da guarda que nos desse a mão quando a razão torpedeasse o coração! Que nos abraçasse forte! Talvez assim não ousássemos empregar a palavra solidão.
Alguém que enquanto dormimos se encarregasse de segurar o mundo para nós. Era tão bom se assim fosse!
Escolher um indivíduo e dar tudo por ele…como seria? A entrega, a responsabilidade, o sacrifício, tudo a convergir para um âmago que delineámos.
Seria um conto de fadas que começaria por “era uma vez”, e acabaria, com o enganador “e foram felizes para sempre”.

quinta-feira, outubro 26, 2006

Um momento para respirar


Um momento para respirar…Por favor …só um momento! Para poder sorrir…por breves instantes um sorriso natural… E sentir…sentir a calma brisa que paira no ar, que me acaricia suavemente…como quem beija um aroma que se escasseia! Por favor… Só um momento! Peço apenas um momento! Aquele em que olho à minha volta e vejo pessoas que tão bem conheço, pessoas que me fazem bem! Que me dão certezas! Quero este breve e estúpido momento! Vivê-lo e só depois descrevê-lo!
Desejo ardente de puder aplicar a palavra divertimento! E não álcool! Não fazer dos bons momentos, os maus momentos, enjoativos e alucinatórios.
Parecer estar calma… apática da realidade mundana…conselhos para este e para aquele…querer abarcar com tudo e todos! Ser como um porto seguro! Mas depois…simplesmente…beber… Beber e sentir a tão suave brisa de uma maneira estúpida! Sentir atracção pelo toque de um carro que depressa passou ao meu lado e que afinal não provocou nada mais que vento! Um vento frio…de que não gosto mas parece fazer-me bem…
Um porto seguro que sofre tremores de terra sem ninguém dar conta! Ninguém estremece nem sai abalado com eles! Enquanto que eu acabo sempre por cair a cada estremecer! Tremores de terra que abalam… causam danos…e que quem sabe, destróiem…enfim potencialmente mortíferos. Mortíferos…fracos aqueles que precisam de um refugio!
Mas no fim nem sequer importa (o pior é o entretanto) …que estúpida importância aquela que demos!
O abismo envolve-nos…tudo parece desabar! Magoar quem sabe! Então, reparamos que tudo não passou de breves instantes de anestesia… Enquanto ela dura nada dói… E isto acontece tantas e tantas vezes! Que nem nos damos conta que é essencial ao nosso eu! Mesmo depois de nos ter feito desabar tantas e tantas vezes! Não conseguimos… não consigo tornar esta rotina em algo novo… Não consigo porque a sensação parece sempre fazer-me bem, parece sempre proteger-me, envolver-me e dar-me segurança! Não consigo porque estou farta…tão farta!






Ass: Ana Pedro e Cláudia Pinho



P.S: Ela é que escreveu quase tudo...é mesmo uma grande escritora ;)

segunda-feira, outubro 23, 2006

Um riso imprudente


O mundo é um lugar estranho...tão imenso e tão pequeno. Não vive mas sobrevive. Talvez nós o tenhamos feito deixar de viver. Ou talvez nós sejamos o próprio mundo. E então quem não está a viver somos nós.
Não encontramos resposta para o que será o propósito da vida. Andamos todos à deriva...uns mais, outros menos...mas cada um sem aqui viver verdadeiramente. Vivemos sim no mundo dos sonhos...e o real parece-nos ilusões que são.
E queremos ser felizes. Por mim podiam-no ser todos. Porque sei que não o seriam. Nunca ninguém está satisfeito. Ora isto, ora aquilo. Aquele pormenor, que transformamos em 'pormaior'. Tudo é um pretexto para ambicionar mais. Para nos armarmos em coitadinhos.
A meta não é a felicidade...é o além mar. Perseguir o horizonte. Remar fatigamente. Abarcar algum naufrágo encontrado durante a jornada. E ensinar-lhe o caminho mesmo não sabendo o caminho. Lançar sempre o dado. Um passo de cada vez...muitos de cada vez. Olhar para trás com ternura. Viver o presente como se não houvesse futuro. E olhar para o futuro com um sorriso. Não um riso mas um sorriso. Porque talvez encarar o futuro com riso seja imprudente....

quinta-feira, outubro 19, 2006

Peregrinação constante


Avanço uns metros e dou por mim num caminho que me desgasta. Não sei se o aprecio ou não, mas de certa maneira sinto-me bem comigo mesma. E olho à volta sem encontrar alguém com quem queira trocar de lugar. Mas outras vezes dói não ser outra pessoa.
Deparo-me com muitos porquês e outro tipo de questões, como se fossem sinais de trânsito. Se os ignoro corro o risco de bater. Se lhes presto demasiada atenção fico num impasse. Talvez eles só sejam importantes quando lhes aprendemos o significado, e depois uns meros emplastros ou amigos.
E apesar de amigos, raramente são importantes, são sim casuais.
Ando mais um pouco. Consigo sentir o abismo por perto, Contudo no pensamento acompanha-me o paraíso. Parece que não me mexi sequer. Tudo parece estar igual, embora algo tenha mudado. Que nem seres microscópios a que o olho nu é cego.
Por entre o imbróglio de estradas, perco-me no percurso já efectuado e até no que vou efectuando. Não adianta olhar em frente porque o nevoeiro tolda-me a visão. Mas ficar parada também não será o mais aconselhável. Por isso prossigo nesta viagem cujo final é o mesmo para toda a gente.
Só o entretanto diferencia; e mesmo assim acaba por deturpar-se nas páginas da vida. Subsistem os ensinamentos, mata-se a alma da pessoa.
E a isto chamam vida. Parecemos uns desgraçados em peregrinação constante. Não admira que uns cortem os pulsos e outros se enforquem. Terceiros, ainda, poupam trabalho a umas quantas pobres criaturas e pintam-lhes o retrato final.
Mas porquê se até respirar dá prazer?

quarta-feira, outubro 11, 2006

Um buraco negro


Parei uns segundos e ansiei poder tocar-te. Não sei onde estás nem se te conheço ou alguma vez irei conhecer. Mas queria agora mesmo um abraço teu. Repousar em ti e descansar um pouco deste turbilhão de pessoas, de sentimentos e medos. Por um momento largar a armadura e ficar desprotegida na segurança das tuas mãos.Hoje preciso de ti. Sinto-me frágil. Um pouco desamparada. Quem sabe esgotada. Não, esgotada não. Porque amanhã irei colar mais uns sorrisos na cara de alguém. Ouvir mais umas gargalhadas sonoras. Ver umas lágrimas que o riso causou. E rir eu também de um número elevado de atrocidades que acabei de dizer.Agora queria simplesmente uma pausa acolhedora. Dizer-te algo sem significado e adormecer. No dia a seguir acordar e já não te ter ao meu lado para não te olhar nos olhos e não sentir vergonha por me teres visto tão fraca.Mas talvez o que nós queremos não seja o que nós queremos. E o que nos dão não é o que precisamos. Tal como um enigma sem solução. Ou um átomo a mais.Uns minutos passaram e agora sorrio ironicamente por isto que escrevi. Não consigo definir a sensação que me assola o coração quando entro no buraco negro da escrita. Lá ou aqui, é como se eu estivesse num esconderijo meu para onde sou absorvida. Um esconderijo só meu em que ninguém me acha. Significados que vou encontrando e admirando, um recanto há muito conhecido e uma surpresa. Um dicionário sem a palavra dicionário e o mundo deixou de fazer sentido. Só num momento.

sexta-feira, outubro 06, 2006

«Every tear that falls flows into the ocean»


Encontro-me aqui sozinho no ‘nosso sítio’, pergunto-me onde estás e o que estarás a fazer…
É tudo tão difícil sem ti ao meu lado, sinto-me incompleto, triste, vazio, e com imensas saudades tuas!
Quando te vi pela primeira vez nem queria acreditar no que senti. Eu e tu éramos o Sol e a Lua em pleno eclipse. Compenetrados um no outro, a amarmo-nos intensamente por breves momentos que valem por muito tempo. Um segundo contigo é o meu mundo perfeito. Assim se pode explicar o nosso amor inexplicável.
Para além do sentimento tão forte que me atacou, com ele, veio, consequentemente, uma realidade que eu julgava a anos-luz de mim…estava apaixonado por uma pessoa do mesmo sexo que eu. Estava e estou! Não há amnésia possível nem para ti nem para os instantes que passámos juntos, aqui nesta relva verdejante, a ver o rio correr serenamente com as suas águas puras que nos transportavam para outro mundo. Um mundo sem preconceito onde poderíamos assumir o amor que nos une ou unia sem que fôssemos excluídos e olhados de lado.
Assalta-me o pensamento, o dia em que tu decidiste contar a uma amiga tua o nosso namoro. Amiga…pois, pois! Tu ficaste tão desiludido! Eu tentei consolar-te, mas eu próprio me sentia injustiçado, revoltado e desfeito por confirmar que existem seres humanos (?!) tão estúpidos! Será que não percebem que isto não tem nada a ver com os sexos das pessoas?! Trata-se simplesmente de amor, e isso é incontrolável!
Porém, o pior ainda haveria de vir…
Quando a tua mãe descobriu que nós namorávamos, foi uma situação irreal. Que injustiça!
Ela contou ao teu pai e, aí, de nada valeu a força do nosso amor. Ele juntou o útil ao agradável e aceitou uma oferta de emprego a centenas de quilómetros de distância, com o intuito, é claro, de nos separar. E teve sucesso. Só o meu amor por ti é que não acaba, aumenta cada vez mais e mais, dilacerando o meu coração por completo.
Agora, aqui, sentado, encostado a uma robusta árvore, olho para o movimento da cidade lá em baixo, e leio a carta que me mandaste.


27-04-2005
Olá meu querido João

Fecha os olhos e verás algo…parecem letras…estão a crescer…estão a pouco e pouco a tornar-se nítidas…até que consegues perceber o que está escrito: AMO-TE!
É esta palavra que o meu coração murmura sempre que por ti bate, ou seja, sempre que bate.
Não há vento que mova o que por ti sinto, nem água que o dissolva e afunde. E muito menos terra que o abafe. Só há fogo que o circunde; uma chama viva e vigorante que tanto me queima como me mantém quente e protegido.
És tu todas as constelações do meu céu. És tu, e só tu, quem eu amo verdadeiramente. Por isso digo que se o próprio ar respirasse, respiraria o meu amor por ti, pois mais puro e inesgotável não há! Mas se isto ainda me parece pouco, acrescento que te amo tanto que a palavra universo se sente inferiorizada.
Um grande beijo do teu

Filipe

P.S: Não me escrevas em resposta, por favor, antes que os meus pais apanhem a tua carta. Desculpa.


Chamo mas ninguém me ouve, peço para me sentir vivo, mas não me dão motivos, choro, e as minhas lágrimas correm em direcção ao rio. Talvez ele as leve para bem longe e, com elas, também esta tristeza infinita.